Estudo Comparativo entre as Classificações Brasileira, Norte-Americana e da Comunidade Europeia

Estudo Comparativo entre as Classificações Brasileira, Norte-Americana e da Comunidade Europeia

Estudo comparativo entre as classificações das águas minerais norte-americanas, brasileiras e da Comunidade Europeia

Com base nos aspectos utilizados para classificação das águas minerais no Brasil, Estados Unidos da América do Norte e Comunidade Europeia, pode-se concluir que:

  1. As águas minerais envasadas tanto na Comunidade Europeia quanto nos Estados Unidos são caracterizadas, principalmente, pela concentração de resíduo sólido (ou sólidos totais dissolvidos – STD), diferentemente do Brasil, que ainda não leva em consideração esse valor.
  2. As águas minerais envasadas na Comunidade Europeia são classificadas como fluoretadas quando a concentração do fluoreto é maior que 1 mg/L. No Brasil uma concentração igual ou acima de 0,01 mg/L de fluoreto já permite a classificação dessa água como fluoretada.
  3. Nos Estados Unidos as águas envasadas também são classificadas em função do tipo de origem, das quais destacam-se: de aquífero confinado, de zona saturada, de nascentes e de sistemas de abastecimento.
  4. A radioatividade permanente ou temporária, apesar de ser usada como padrão para a classificação da água no Brasil, não é utilizada como padrão classificatório das águas envasadas nos Estados Unidos nem na Comunidade Europeia.
  5. No Brasil, as águas minerais envasadas podem ser classificadas como minerais pela temperatura e pela radioatividade temporária, que são características que deixam de existir imediatamente após a captação, adução, armazenamento e envase. Ou seja, o consumidor, quando tem acesso à água envasada, já não está de posse de uma água mineral, e sim de uma água potável.
  6. No Brasil, as águas minerais envasadas podem ser classificadas pela radioatividade permanente, supostamente por ser essa uma característica que torna a água medicamentosa, diferentemente do que considera a agência ambiental americana (USEPA, 2006 in: Bertolo, 2006), a qual “advoga que tais radiações, mesmo em baixas doses, são danosas”.

Dentre as bases diferentes para classificação de uma água mineral destaca-se a de concentração de sólidos totais dissolvidos, que se adotada no Brasil permitiria caracterizar a água mineral brasileira nos mesmos padrões da europeia e da norte-americana.


As águas minerais brasileiras, diferentemente das europeias, possuem poucos sólidos dissolvidos. Dessa forma, se fossem classificadas com base nas Directivas da Comunidade Europeia, receberiam a denominação de “muito baixa mineralização”, STD<50 mg/L, e de “baixa mineralização” ou “oligometálica”, STD<500 mg/L.


Para exemplificar, foram selecionadas as nove marcas de águas minerais mais vendidas no Brasil15 . Dentre elas, seis se classificariam como “água mineral de mineralização baixa ou oligometálicas”, que são: Indaiá (BA), STD = 100 mg/L; Minalba (SP), STD = 85 mg/L; Ouro Fino (PR), STD = 133 mg/L; Crystal (SP), STD = 130mg/L; Bioleve (SP), STD = 83 mg/L e Schin (SP), STD = 242 mg/L. E três se classificariam como “águas minerais de mineralização muito baixa”, sendo elas: Dias D´Avila (BA), STD = 43 mg/L; Petrópolis (RJ) e Levíssima (RJ), ambas com STD = 19 mg/L.


Segundo trabalho recente de Queiroz (2009), 48,2% das águas minerais brasileiras são classificadas como fluoretadas, 16,2% como proveniente de fontes hipo a hipertermal, 14,68% provenientes de fontes radioativas frias a hipertermais e 10,20% de potáveis de mesa. Ainda segundo Queiroz (op.cit), 72% das águas minerais brasileiras possuem menos de 100 mg/L de resíduo seco (sólidos totais dissolvidos), 22% possuem valores entre 100 e 250 mg/L e 6% alcançam valores de resíduo seco acima de 250 mg/L.


Levando-se em consideração a base de classificação de uma água mineral nos Estados Unidos (quadro 3), apenas 6% de toda a água envasada classificada como mineral no Brasil poderia levar o rótulo de água mineral nos Estados Unidos.


Essa constatação, no entanto, não desvaloriza a qualidade da água mineral envasada no Brasil, que vem sendo objeto de desejo de grandes grupos internacionais. Um exemplo foi o investimento realizado pelo grupo francês Danone, na pesquisa de fontes no Brasil de águas com baixos valores de resíduo sólido. Esse grupo, no final de 2008, concretizou seu sonho e, a partir de agosto de 2009, lançou no mercado brasileiro a água Bonafont, proveniente de Jacutinga (MG), com a menor concentração de sódio (0,34 mg/L) e  de resíduo sólido (18,5 mg/L)16 .


Com a finalidade de comparação da quantidade de sais dissolvidos entre as águas mais vendidas no Brasil e na Comunidade Europeia, destacam-se os sólidos totais dissolvidos de algumas tradicionais águas europeias: Águas Perrier (STD = 475 mg/L), San Pellegrino (STD = 1.109 mg/L), Evian (STD = 357 mg/L), Contrex (STD = 2.078 mg/L) e Salvetat (STD = 850 mg/L).

 

Logo abaixo, a Figura 6 demonstra a diferença entre a concentração de sais das principais águas europeias e brasileiras.

Figura 6 – Concentração de Sólidos Totais Dissolvidos das principais águas minerais na Comunidade Europeia e no Brasil


A Água Mineral no Contexto Hidrogeológico Brasileiro

Para que se entenda o porquê da baixa concentração de totais de sólidos dissolvidos nas águas brasileiras, faz-se necessário conhecer um pouco os aspectos geológicos/hidrogeológicos da localização, do tempo de percolação e da profundidade em que foi captada a água. Sendo assim, a seguir serão descritos, sumariamente, alguns aspectos hidrogeológicos importantes, que podem servir de base para o entendimento dessa diferença.


Domínios Hidrogeológicos foram definidos por Bomfim (2002) como “grupo de unidades geológicas com afinidades hidrogeológicas, tendo como base principalmente as características litológicas das rochas”.


O primeiro mapa a ser executado com base nessa definição foi o Mapa de Domínios/Subdomínios Hidrogeológicos do Brasil (CPRM, 2007)17, que estabelece sete Domínios Hidrogeológicos no país. São eles: Domínio 1 - Formações Cenozoicas (Aquíferos Porosos); Domínio 2 - Bacias Sedimentares (Aquífero Poroso); Domínio 3 - Poroso/Fissural (Aquífero Misto); Domínio 4 - Metassedimentos/Metavulcânicas (Aquífero Fissural); Domínio 5 - Vulcânicas (Aquífero Fissural); Domínio 6 - Critalino (Aquífero Fissural) e Domínio 7 - Cristalino, Carbonatos/Metacarbonatos (Aquífero Fissural).


Apesar de a delimitação por domínios e subdomínios ser de extrema coerência e permitir que no futuro os estudos hidrogeológicos sejam baseados em sua definição, os mapas e textos editados até o momento ainda levam em consideração as províncias e subprovíncias. Assim, a base para a correlação das captações de água mineral será baseada na delimitação por províncias hidrogeológicas.

O mapa hidrogeológico da América do Sul na escala 1:5.000.000 (UNESCO, DNPM CPRM, 1996), em seu texto explicativo, distingui no Brasil 11 províncias hidrogeológicas, a saber: Escudo Setentrional; Amazonas; Escudo Central; Parnaíba; São Francisco; Escudo Oriental; Centro-Oeste Brasileiro; Pantanal; Paraná, Escudo Meridional e Costeiras.
 
Já Mente (2008), no mapa hidrogeológico brasileiro contido no subcapítulo 1.3.2 do livro “Hidrogeologia: Conceitos e Aplicações” (CPRM, 2008), divide o Brasil em 10 províncias hidrogeológicas. Mente (op.cit.) inclui o Pantanal como subprovíncia do Centro-Oeste Brasileiro, no entanto, em seu trabalho, dá um destaque especial a essa subprovíncia por ser a única que possui poços perfurados. As demais subprovíncias foram caracterizadas apenas pelo contexto geológico e não pelo hidrogeológico, já que não há levantamento de poços nesses locais.

Por esse motivo, optou-se por descrever, abaixo, as características das províncias hidrogeológicas brasileiras de acordo com o livro-texto do mapa hidrogeológico da América do Sul, levando-se em consideração a Província Pantanal isoladamente.
 
A Província Escudo Setentrional abrange parte do cráton brasileiro, colombiano, venezuelano e guianês. A base, Complexo Guianês, é composta por kinsigitos, anfibolitos, dioritos, granodioritos, gnaisses, granitos, migmatitos e granulitos sobrepostos de quartzitos e xistos. Sequencialmente, depositou-se o Grupo Roraima, formado por sedimentos fluivio-deltáicos ou molássicos e marinha-rasa, constituídos basicamente por arenitos, ortoquartizitos e conglomerados. Não há, no entanto, informações hidrogeológicas suficientes para uma melhor caracterização dessa província. Ela atinge parte dos estados do Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. Suas águas ainda não são aproveitadas em captações de água mineral.


A Província Amazonas abrange toda a parte da Bacia Amazônica, constituída por formações paleozoicas nas margens do Rio Amazonas e por coberturas de sedimentos cenozoicos no centro da bacia. Apesar das poucas informações hidrogeológicas, esse tipo de formação propicia aquíferos locais livres ou confinados com boa qualidade de água. Dados provenientes de poços construídos com profundidade entre 60 e 250m em Belém (PA), Ilha de Marajó (PA), Santarém (MA) e Manaus (MA) alcançaram vazão entre 60 e 250m3/h de água com baixos valores de sais dissolvidos. Essa província atinge parte dos estados do Amazonas, Rondônia, Roraima, Pará, Amapá e integralmente o estado do Acre. Suas águas são ainda pouco utilizadas na indústria de água mineral. Representam apenas 1,8% de toda a água mineral envasada no Brasil.
 
A Província Escudo Central é formada por rochas pré-cambrianas (granitos, gnaisse-granitos e gnaisses, migmatitos, quartizitos, xistos e arenitos) cobertas por depósitos cenozoicos (ao longo dos rios) e por rochas paleozoicas. Essa província atinge parte dos estados de Rondônia, Mato Grosso, Amazonas, Pará e Tocantins. As águas dela ainda são pouco exploradas pela indústria de água mineral.
 
A província Parnaíba corresponde à Bacia Sedimentar do Parnaíba, com extensão de 600 mil km². Os principais aquíferos - Serra Grande, Cabeças e Piauí - são compostos, principalmente, por arenitos do Paleozoico. Com alternância de camadas mais e menos permeáveis, o mesmo aquífero, em função de seu posicionamento na bacia, pode apresentar-se livre, confinado e até com águas artesianas. Essa província atinge parte dos estados do Pará, Tocantins, Maranhão e Piauí. É a mais importante província hidrogeológica do Nordeste, com diversos poços perfurados, cujas águas são a principal fonte de abastecimento da população das cidades nela localizadas. Por outro lado, representa apenas 1,2% de toda a água mineral envasada no Brasil.

A Província São Francisco, formada pelas fraturas de quartzitos, metagrauvacas, metaconglomerados, calcários e dolomitos do proterozoico superior, torna-se mais importante quando associada a rochas porosas do manto de intemperismo. Possui a grande função reguladora, importante para o deflúvio superficial da zona média do Rio São Francisco. Alguns sedimentos aluviais e colúvio-aluviais proporcionam bons aquíferos localizados. Essa província atinge parte dos estados de Minas Gerais, Goiás, Tocantins e Bahia. Segundo Queiroz (2009), 2% das águas minerais brasileiras se originam nela.
 
A Província Escudo Oriental, formada predominantemente por gnaisses, xistos, migmatitos, granitos e quartzitos pré-cambrianos, com 400 mil km², atinge parte dos estados do Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Minas, Goiás, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Santa Catarina.
 
Na região Sudeste, onde a precipitação é intensa (varia de 1.000 a 2.250mm/ano), a camada de intemperismo é mais espessa, e poços de até 150 metros de profundidade (limite econômico) podem fornecer vazões de 10m³/h de água com baixa concentração de sólidos totais dissolvidos.
 
Já na região Nordeste, onde são menores a precipitação (varia de 500 a 1.500mm/ano) e o manto de intemperismo, os solos são pouco espessos. Os poços atingem, normalmente, 60 metros de profundidade (limite econômico), e suas águas apresentam concentração de sólidos totais dissolvidos que podem variar entre 500 e 35.000mg/L (em média o STD chega a 2.000mg/L).
 
Essa província é de extrema importância para o fornecimento de água às regiões Sudeste e Nordeste. Já em relação à água mineral, segundo Queiróz (op. cit.), 78% das captações de água mineral brasileiras são feitas nessa província e na Província do Paraná, que será descrita mais adiante.

A Província Centro-Oeste Brasileiro é constituída por sedimentos heterogêneos, do Paleozoico até o Cenozoico, de pouca espessura, mas de grande extensão. Essa província atinge pequenas parcelas dos estados de Rondônia, Pará, Tocantins e Goiás e grande parcela do estado do Mato Grosso, mas não demonstra, ainda, importância para a captação de águas minerais.

A Província Pantanal (ou Alto Paraguai)18  é constituída por grande planície sedimentar formada por areias finas, argilas e cascalhos do Quaternário. Possui dezenas de metros de profundidade. Essa província atinge o sul de Mato Grosso e o oeste de Mato Grosso do Sul. A água dessa província ainda não vem demonstrando interesse para o setor de envase de água mineral. O pequeno conjunto de captações de águas minerais nas províncias Centro-Oeste Brasileiro e Pantanal representam 0,7% do total captado no Brasil.

A Província Paraná corresponde à Bacia do Paraná, abrange uma área de 1 milhão de km² e, juntamente com a Província do Escudo Oriental, representa 89% das captações de águas minerais do Brasil. Constituída por sedimentos clásticos e derrames basálticos, essa província pode alcançar a espessura de 7,800 metros. O aquífero mais importante é o Guarani (nomenclatura atual do Botucatu), formado pelo arenito Botucatu, que na área aflorante (bordas da Bacia) é livre e fornece água em poços de 100 a 200 metros de profundidade, com vazões que variam de 10 a 150 m³/h. Já nas áreas cobertas pelo derrame basáltico, apresenta-se confinado.

Nessas regiões os poços chegam a variar entre 300 e 2.000 metros de profundidade e podem fornecer vazões que variam de 300 a 1.000 m³/h. Outro aquífero muito importante nessa província é o Serra Geral, que, através de águas armazenadas e transmitidas pelas fraturas do basalto, supre de água potável diversas cidades da Região Sul do Brasil. Os poços que exploram esse aquífero são construídos até a profundidade de 120 metros em média. Outro aquífero de importância local é o Bauru, formado por sedimentos cretácicos, cujos poços fornecem água para uso doméstico.

Apesar da grande dimensão do aquífero Guarani, há ocorrências de elevados teores de fluoreto e sulfato em locais onde ele é confinado, o que invibializa a utilização de sua água para consumo humano nessas regiões. Por outro lado, a elevada temperatura alcançada pela água nesses locais propicia a sua utilização como balneário e, quem sabe, através de estudos futuros, um excelente local para crenoterapia. As captações de água mineral na Província Paraná representam 13% do total captado no Brasil.

A Província Escudo Meridional é constituída por gnaisses, migmatitos e granitos fraturados do Pré-Cambriano. Suas águas são de baixa mineralização, apresentando valores de sólidos totais dissolvidos em torno de 230 mg/L e vazões que variam de 1 a 36 m³/h. São ainda pouco utilizadas pelas indústrias de água mineral.
A Província Costeiras é formada por sedimentos clásticos do Cretáceo ao Recente. Localiza-se no litoral do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, Maranhão, e Amapá.

Os aquíferos que se destacam nessa província são: Barreiras (em quase toda a costa brasileira), que normalmente apresentam vazão de 8 m³/h em poços com profundidade média de 65 metros; Beberibe (em Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte), com vazão em torno de 12 m³/h em poços com profundidade média de 140 metros; Açu (em Potiguar), com vazão em torno também de 12 m³/h em poços com profundidade de 400 metros; Tacaratu, São Sebastião e Marizal (no Recôncavo, Tucano e Jatobá), com vazões que variam de 6 a 15 m³/h e profundidades médias entre 90 e 100 metros. Em todos esses aquíferos já existem indústrias de água mineral instaladas, principalmente na Região Nordeste e no Espírito Santo19. Pelo menos 3,2% do total de água captado para a indústria de água mineral e potável de mesa é proveniente dessa província.

As grandes questões quando se relaciona a qualidade das águas captadas para aproveitamento mineral com as províncias hidrogeológicas são:

  1. As águas minerais brasileiras classificadas como fluoretadas (48,2% do total de água mineral captada e envasada no Brasil), hipotermais a hipertermais na fonte (16,2%), radioativas na fonte (14,6%) e potáveis de mesa (10,2%), que somadas representam 95,2% do total de água mineral captada e envasada no Brasil, não teriam, pela qualificação química da água, relação com as características indicadas nas bibliografias para os aquíferos das diversas províncias hidrogeológicas definidas e descritas acima.
  2. Das 1.266 captações de água mineral no Brasil, cerca de 40% (500) são provenientes de fontes ou surgências naturais, que correspondem à descarga da água subterrânea, muitas vezes limitadas por microbacias localizadas em pequenos vales. Mesmo os 60% restantes das captações executadas através de poços tubulares podem não representar, em sua totalidade, captações em aquíferos profundos, uma vez que 72% das águas minerais brasileiras possuem concentração de sólidos totais dissolvidos menor que 100 mg/L, indicando águas de baixa a muito baixa mineralização.

Essas questões se somam aos poucos trabalhos mais atualizados disponíveis a respeito da gênese das águas minerais, como é o caso do livro "Projeto Circuito das Águas do Estado de Minas Gerais", elaborado pela CRPM em 1998, que desenvolve um estudo geoambiental das fontes hidrotermais de Cambuquira, Caxambu, Conceição do Rio Verde, Lambari e São Lourenço. No capitulo 10.4.6, sugere: “um modelo hidrogeológico de infiltração das águas pluviais nos horizontes alterados das rochas gnáissicas, em áreas de morros topograficamente mais elevados, próximos às fontes, percolação através de zonas milonitizadas (Caxambu, São Lourenço, Águas de Contendas e Lambari) e fraturas parcialmente preenchidas ou não por diques pegmatoides ou brechas alcalinas (Caxambu), circulação a distintas profundidades e finalmente a descarga nas áreas topograficamente mais baixa, onde se encontram sedimentos cenozoicos formadores de aquíferos livres e semiconfinados”. O texto indica ainda que “características físico-químicas das águas, como temperaturas próximas às médias anuais do ambiente, baixos teores de cloretos, sulfatos e lítio, entre outros, também indicam que as águas não são de circulação regional e/ou profundas”20.

Esse estudo, o mais profundo estudo executado no circuito das águas minerais de Minas Gerais, vem corroborar com a ideia de que a grande maioria das águas minerais brasileiras, pelos baixos teores de sólidos totais dissolvidos (classificadas como: potáveis de mesa, fluoretadas, radioativas na fonte) e temperatura da água próxima à temperatura ambiente (águas frias e hipotermais), são águas de pouca circulação.

Outros importantes estudos a respeito da qualidade e classificação das águas minerais brasileiras foram realizados por Bertolo, 200621 e Bertolo22, Hirata23 & Fernandes24, 200725. Esses estudos foram feitos com 303 marcas de águas26 e chegaram às seguintes conclusões:

  1. Bertolo, 2006:
    1. Critério Temperatura (igual ou superior a 25ºC) do CAM27- “Qualquer água subterrânea proveniente de estados localizados nas regiões, norte, nordeste e centro-oeste do país seria classificada como mineral pelo critério da temperatura, mesmo aquelas provenientes de aqüíferos freáticos”.
    2. Critério Radioatividade do CAM28 - “A quase totalidade das águas provenientes dos aquíferos de terrenos granito-gnáissicos e de rochas alcalinas do contexto do Escudo Sudeste são 'minerais' pelo critério da radioatividade temporária (...) pois são nestes contextos geológicos que ocorrem os elementos radioativos em maior quantidade”. Bertolo ainda observa que: “A classificação das águas minerais no Brasil pelo critério da radioatividade temporária é um assunto controverso e polêmico: a Crenologia argumenta que radiações em baixas doses são adequadas para tratamento de diversas doenças. Em contrapartida, a agência ambiental americana (USEPA, 2006) advoga que tais radiações, mesmo em baixas dose, são danosas e que a inalação de radônio em ambientes fechados é a segunda maior causa de incidência de câncer de pulmão nos EUA”. Encerra Bertolo argumentando que há necessidade de “aprofundar debates e investigações sobre a toxicologia de radiação em baixas doses e definir sobre os malefícios e benefícios dessas radiações, bem como os limites que os separam”.
    3. Critério concentração de Fluoreto (igual ou superior a 0,01 mg/L) do CAM29 - “A concentração ótima de fluoreto para água de abastecimento público no Estado de São Paulo é de 0,7 mg/L (Resolução SS-250/1995), considerando os benefícios que esta concentração representa para a prevenção de cárie dentária da população, não havendo tolerância para concentrações menores que 0,6 mg/L e maiores que 0,8 mg/L”. Bertolo conclui “que se a classificação de uma água como mineral passasse pelos critérios de proteção e benefício à saúde humana, a concentração de fluoreto na água deveria ocorrer acima de 0,7 mg/L”.
  2. Bertolo, Hirata & Fernandes, 2007:
    1. Relação entre pH e resíduo seco (sólidos totais dissolvidos) – “Os valores de pH e resíduo seco (RS) das águas provenientes de fontes são menores que os das águas de poços profundos, comprovando a tendência de que as fontes em geral captam água de fluxos rasos em todos os contextos hidrogeológicos. Os valores médios de RS das águas captadas por poços no Escudo Sudeste e Bacia do Paraná tendem a ser o dobro dos valores médios das águas captadas por caixas de captações”.

Em ambos os trabalhos, a conclusão a que os autores chegam é que a maior parte da água mineral brasileira situa-se num contexto de aquíferos rasos, de fluxos locais e de rápido tempo de trânsito, percolando material já intemperizado, resultando em águas de baixa mineralização e de pH ácido.
O fato de a água mineral brasileira ser de baixa mineralização vem chamando a atenção de grandes grupos europeus e demonstra que é um fator de valorização da água mineral e não de descrédito.
Por outro lado, essa constatação, dificulta a inserção de nossas águas minerais nas províncias hidrogeológicas, uma vez que estão inseridas em aquíferos rasos e de rápida circulação, mormente, em material intemperizado.

Figura 7 – Localização das Concessões de Lavra nas Províncias Hidrogeológicas do Brasil (modificado de Queiroz, 2009009)
Concessões de Lavra nas Províncias Hidrogeológicas do Brasil


15 Sumário Mineral, 2009 (DNPM).

17 Disponível, graciosamente, na biblioteca do SGB do Rio de Janeiro, digitalizado (CD).

18 Rebouças, 2002, denomina a Província Hidrogeológica Pantanal de Alto Paraguai.
19 Queiroz, 2009, em sua apresentação no 18º Congresso de Águas Minerais, apresenta um mapa das províncias hidrogeológicas brasileiras, posicionando diversas empresas na área dessa província.

20 Fls. 77 e 78 do livro "Projeto Circuito das Águas do Estado de Minas Gerais", CPRM, 1998.

21 Trabalho apresentado no XIV Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas.

22 Reginaldo Bertolo, geólogo, Dr em hidrogeologia, professor do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo - USP

23 Ricardo Hirata, geólogo, doutor em hidrogeologia, professor do Instituo de Geociências da Universidade de São Paulo - USP.

24 Amélia Fernandes, geóloga, doutora em hidrogeologia do Instituto Geológico do Estado de São Paulo.

25 Trabalho publicado na Revista Brasileira de Geociências, setembro de 2007.

26 Trezentas e três marcas representavam em 2006 50% das marcas de águas minerais e potáveis de mesa envasadas no Brasil.

27 Item 2, § 2º do art. 36 do Código de Águas Minerais - CAM.

28 Item X do art. 35 e item I do art. 36 do Código de Águas.

29 § 1º do art. 35 do Código de Águas Minerais – CAM, que, apesar de não citar fluoreto, esse ânion foi incorporado à prática de classificação das águas minerais brasileiras. 

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